VIDA QUE SEGUE

VIDA QUE SEGUE

Foram anos de trabalho para colher das ruas imagens que poderiam contar um pouco da minha vivência sobre os anos mais graves da pandemia de COVID-19 no Brasil.

Em julho de 2020, no momento mais grave da crise sanitária, eu decidi colocar a cara na rua para fotografar o que estava acontecendo na cidade de São Paulo. Me programei para sair em alguns bairros que sabia que eram bem movimentados. Apesar das aulas do meu filho serem 100% online, esperei as férias escolares que permitiram que ele e a minha esposa ficassem um período de 15 a 20 dias distantes de mim, na casa dos meus sogros. Eu iria me arriscar nas ruas e não queria trazer o vírus para a minha família.

Região do Santa Cruz, São Paulo em 30 de julho de 2020.

Organizei a minha proteção partindo do excesso, com máscara, face shield, boné, casaco, calça, tênis, sem deixar uma única brecha pro vírus entrar. Comecei em 25 de julho de 2020 pela Liberdade, centro de São Paulo, região que tinha um fluxo grande de pessoas antes do período da quarentena. Na minha cabeça, e pelas notícias que lia nos jornais, as ruas estariam vazias, desertas, ao contrário do período pré pandêmico, porém o que eu vi foi exatamente o oposto disso, ruas com muita gente circulando, a maior parte trabalhadores. As pessoas que não podiam parar e não tinham o privilégio que eu tinha, de ficar em casa, em quarentena. Confesso que aquelas cenas me causaram medo e tristeza. A luta pela sobrevivência não saiu das ruas, ela continuava dentro e fora das casas.Perceber isso logo de cara me fez entender que fazer aqueles registros da resistência da população mais fragilizada pela crise que se tornava geral, era importantes para mim como fotógrafo de rua e fotoativista.

A próxima saída foi pela região do Centrão de São Paulo em 27 de julho de 2020, onde o movimento de trabalhadores e pessoas em situação de rua também era grande. O centro de uma cidade com a densidade populacional e do tamanho de São Paulo costuma fervilhar, e apesar do movimento ser um pouco mais tranquilo, ainda me assustou. O meu plano era de fazer saídas de cerca de 2 horas no máximo pra me expor o menos possível, mas devida a enorme proporção de circulação eu acabei estendendo o período que dediquei a cada saída. No dia seguinte, em 28 de julho, eu segui para região da Avenida Paulista, o fluxo de trabalhadores também era enorme e o tempo que dediquei para os meus registros seguiu o ritmo da rua. O curioso para mim, que estava tentando me expor o mínimo, era que além das pessoas trabalhando, havia outras fazendo atividade física, usando máscara, mas como se nada diferente estivesse acontecendo. Pra mim era óbvio que as pessoas ainda não tinham um noção clara da gravidade da situação que estávamos vivendo, infelizmente esse entendimento só começou a surgir a medida que as mortes também foram aumentando. Minha última saída foi em 30 de julho de 2020, iniciando no metrô Santa Cruz na Vila Mariana e no metrô Ana Rosa e seguindo para o metrô Largo Treze mais ao extremo da cidade, no bairro de Santo Amaro. Decidi andar no entorno das estações de metrô por saber que nelas o fluxo de pessoas entrando e saindo das estações normalmente é enorme, e sim, a circulação e o número de ambulantes continuava bem grande.

É importante destacar que na data da última saída da série o Brasil tinha registrados um total de 91.377 óbitos, com 1.189 novas mortes causadas pela covid-19 apenas no dia 30 de julho de 2020. Não era possível para as famílias se despedirem dos seus entes queridos, centenas de covas eram abertas diariamente nos cemitérios localizados nos grandes centros urbanos. Segundo familiares dos mortos, as cenas “pareciam de filmes de terror”.

Matéria do UOL em 30 de julho de 2020 


Fonte: UOL

Após essas primeiras saídas eu decidi parar por alguns meses, para proteger a minha família, e para reorganizar a minha cabeça e o entendimento sobre o meu papel como fotógrafo nesse momento tão grave de crise sanitária. Me perguntava diariamente se valia mesmo a pena arriscar a minha vida por esses registros. Hoje eu vejo que aquele trabalho não foi em vão. Registrei, além do movimento das ruas, manifestações que ocorreram alguns meses depois contra o governo Bolsonaro, que já apostava com a vida nos brasileiros no conceito de “imunidade de rebanho” para alastrar o vírus para o maior número de pessoas possível. Mas esse movimento contra o governo genocida fica para outro post.

Fotolivro Vida Que Segue, em campanha no Catarse.

Sobre o projeto de fotolivro VIDA QUE SEGUE

Um fotolivro que faz uma biografia do COVID através de imagens que contrastam com notícias que escancaram o descaso político com a pandemia e contra a vacina. Vida Que Segue tá no catarse.me/vidaquesegue


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